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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Shadow of the Colossus funcionará no Cinema?

Estou aqui para provar por A+B que diretor nenhum conseguiria a façanha de fazer um filme sobre Shadow of the Colossus que preste. Simplesmente não é possível.
Acompanhe. (E esteja avisado: SPOILERS À FRENTE!)

Atmosfera

Você, um jovem sem nenhum poder especial, absolutamente sem graça do ponto de vista do herói clássico de videogame, montado em um cavalo, desbravando solitariamente uma vasta região praticamente sem nenhuma outra alma viva. Imagine isso em formato cinematográfico e tente não pegar no sono.

Pra funcionar no cinema… só lotando de Orcs, Goblins e outros bichos estranhos (Kobolds?) da mitologia tolkiana/clichêzística pra adicionar um pouco de ação. Outra solução seria dar uma personalidade descolada (meio Prince of Persia novo, sabe?) ao Wanderer e fazer o Agro falar, como o Burro do Shrek ou algo assim.

Enredo

Uma das maiores belezas de SoTC é que a sua narrativa se desenrola bem longe das cutscenes, ou mesmo da própria tela onde o jogo acontece. Através da própria jogabilidade, por meio das suas ações como personagem imerso no mundo do jogo, você constrói a história dentro da sua cabeça, guiado apenas pelos fortes estímulos visuais e cognitivos que vê na sua frente. Coisas como os fortes (e estranhamente dóceis) gritos dos colossi, as “fumaças” roxas que saem deles e são absorvidas por você após cada batalha, ou o estranho aparecimento de espectros no templo central são o que faz o jogador construir o enredo.

Até mesmo coisas mais sutis, como o esforço demonstrado pelo personagem ao lutar contra a gravidade agarrado aos pelos de um colossus desesperado, causam no jogador uma impressão que contribui para a construção do enredo, ou ao menos das bases emocionais onde ele se desenvolve e intensifica. E tudo isso acontece enquanto e porquê você joga.

Pra funcionar no cinema… tudo isso teria que ser dado de mão beijada para o espectador, de maneira bem óbvia. O cinema é uma mídia onde, me desculpe quem discorda, não há imersão. Há observação e empatia. São coisas que podem até funcionar de maneira similar, mas não surtem o mesmo efeito nas mesmas situações. Para contar a história de SoTC na tela grande, será necessário tirar ela de onde ela funciona – e pior: será necessário inventar um monte de coisas, porque a narrativa do jogo brilha mesmo nas partes em que não é explícita.

Diálogos

Shadow of The Colossus não tem diálogos. A entidade que comanda as ações de Wander fala, mas é em uma língua estranha. E Wander não responde. Os anciões que aparece no final conversam muito pouco entre si. Não há nem mesmo um narrador. Não há nem mesmo um texto narrativo escrito!

Acima de tudo, na maior parte do jogo não há sequer personagens o suficiente na tela para que se formasse qualquer tipo de diálogo – a não ser que Wander falasse consigo mesmo, ou com Agro.

Pra funcionar no cinema… só mudando tudo. Desse jeito simplesmente não tem como. Vocês já viram um filme sem diálogos? Eu já. Era um filme asiático, de um desses diretores cult cujos filmes só um estudante de cinema poderia gostar. O filme consistia de um depressivo e uma esquizofrênica andando. Caminhavam um pouco, andavam um pouco de carro, aí o cara acendia um cigarro enquanto a menina ficava lá, com a única cara que ela fez no filme inteiro. E eu lá, assistindo, pensando “uma hora eles vão chegar em algum lugar e alguma coisa vai acontecer”. Aí o filme acabou e eles ainda estavam andando. Foram duas horas da minha vida que eu nunca vou recuperar – e que seriam muito úteis hoje em dia.

Eu não quero o filme de SoTC seja assim. E definitivamente também não quero que coloquem mais personagens (ou uma personalidade de Burro do Shrek no Agro) só para que o filme tenha diálogos.

Narrativa

Apresentação: Dormin te diz mais ou menos o seu próximo objetivo, aí você pega o cavalo e vai, surpreendendo-se com as novas características do mundo que se desbrava na sua frente;
Desenvolvimento: você luta contra o colossus;
Clímax: você cai e quase morre várias vezes faltando muito pouco para derrotar o gigante;
Desfecho: você mata o coitado, a fumacinha entra, você cai, reaparece no templo com mais um espectro ao seu lado e vamos nós de novo.

Pra funcionar no cinema… só se ele enfrentasse todos os colossi juntos, numa mesma batalha. Ou se ele enfrentasse só um. Ou se eles fizessem 16 curta-metragens, em vez de um longa. Ou… se fizessem um longa realmente chato e repetitivo.

Final

A saga no nosso amigo Wander termina de forma extremamente triste, se você parar pra pensar. Aliás, mesmo que não pare parar pensar. O maldito herói MORRE. Na verdade ele vira um demônio, depois um bebê com chifres, mas essencialmente ele não vive para presenciar o seu “triunfo”, então morreu. O que sobra é um cavalo estropiado e uma mãe adolescente de filho não planejado em um jardim suspenso. Pra um jogo, ainda mais um jogo artístico como Shadow of The Colossus, está ótimo. Mas se você mostra um final desses no cinema eu vou querer meu dinheiro de volta.

Pra funcionar no cinema… teriam que mudar várias coisas, consequentemente estragando qualquer tipo de fidelidade que (a muito custo, suponho) possa ter rolado até então.

Conclusão

A melhor conclusão a que posso chegar – e espero que vocês tenham chegado junto comigo –, é a de que simplesmente ou você faz um filme chato sobre Shadow of The Colossus, ou faz um filme bom que não tem nada a ver com o jogo. Qualquer uma das duas soluções é uma má solução.

Se eu fosse o Justin Marks, escreveria um roteiro bem assim e mostraria ao mundo que eu tenho bolas:

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